ESPECIAL DE SEGURANÇA: questão fundamental na atividade e no cotidiano da hotelaria

Por ocasião de trabalho, Clóvis* acomoda-se numa das poltronas no lobby de um hotel da zona Sul paulistana. Envolvido no assunto que motivou a reunião, ele tem sua concentração interrompida quando tenta sacar o computador de dentro da mochila, colocada ao lado do assento. Não estão mais lá. Nem computador, nem mochila. Não muito longe dali, num meio de hospedagem de marca conhecida, na mesma cidade, Márcia**, que participa de um curso no centro de convenções, volta do café e dá falta de seu celular, que ficara na sala recarregando a bateria. Em ambas as situações, as queixas de furto são repassadas à administração dos hotéis que, embora colocando-se à disposição, pouco conseguem fazer. No desenlace dos dois casos, os visitantes dos estabelecimentos saem com razões para lamentar.

A ocasionalidade e até raridade nos casos relatados acima configura exceção e não regra dentro dos meios de hospedagem. Num espaço no qual os presentes não necessitam travar relações entre si e nem mesmo com o ambiente é compreensível que não haja controle e nem previsão sobre impulsos, comportamentos e ações individuais. Portanto, não é tarefa simples antecipar atos hostis ou criminosos. Talvez por isso e pela pouca frequencia de incidentes a rotina de operação desses locais segue inalterada, pelo menos aparentemente.

Em maio do ano passado, no entanto, um acontecimento com contornos mais catastróficos tomou as páginas de jornais pelo Brasil. No ímpeto de realizar seu sonho de admirador fanático, o jovem Rodrigo Augusto de Pádua hospedou-se no mesmo empreendimento da modelo Ana Hickmann, em Belo Horizonte, e, ameaçando-a com um revólver, entrou numa briga que só terminou com sua morte – e com o ferimento de uma assessora da artista gaúcha.

Quase um ano depois do ocorrido na capital mineira, um conhecido resort litorâneo teve que esvaziar parte de sua estrutura afetada por uma explosão, por motivos ainda não revelados, em sua cozinha. Cinco pessoas acabaram feridas.

Esse par de incidentes teve impacto maior junto ao público nacional. Os desfechos deles foram pouco interessantes para os envolvidos. Ainda assim são momentos esporádicos dentro de um cotidiano quase monótono como é o dos hotéis. Mas, apesar disso, são eles, assim como os dois primeiros citados, que servem de reforço e motivação para debates, aumento na atenção e nos cuidados específicos com a segurança em estabelecimentos de hospedagem.

Por Filip Calixto

Otávio Novo é profissional em Gestão de Riscos e de Crises e já teve que lidar com situações de diferentes tipos quando o assunto são as adversidades em nome da segurança no ramo hoteleiro. No último mês de dezembro ele foi palestrante num congresso que tratou exclusivamente do tema. Na ocasião vaticinou: “Hoje a segurança é o segundo tópico consultado na busca por uma hospedagem. Perde-se e ganha-se contratos por isso”.

O apontamento feito pelo especialista não tem fim nele mesmo. O comentário abre janelas para a perspectiva fundamental acerca dessa temática. É uma questão que precisa ser analisada a partir do ponto de vista do cliente, que é quem tira proveito e recomenda no caso dos bons serviços prestados e quem sofre e desaconselha quando a cartilha não é seguida de maneira eficiente.

Para Novo, que segue reforçando a importância do ambiente seguro como fator de escolha, a percepção quanto o nível de proteção na gestão e operação do local ainda é feita sem critérios claros. “As pessoas querem ambientes seguros mas muitas vezes não sabem como ter certeza disso. Vejo aí uma boa oportunidade de diferencial de mercado para as empresas que conseguirem demonstrar suas ações e níveis de segurança”.

Nesse raciocínio, destacar as mecânicas e ações realizadas em nome do ambiente salubre pode desembocar em benefícios como boa reputação e, no que é a finalidade de todo meio de hospedagem, melhora prática na ocupação e ganho de clientela.

Mas mesmo a maneira de ‘vender’ seu projeto de local seguro tem suas especificidades. A demanda de segurança comporta-se como um líquido que se ajeita no recipiente em que o colocam. O contexto, com localização, porte do hotel e tipo de pessoa que será recebida, faz diferença considerável no planejamento e na maneira adequada para divulgar o produto. Sendo assim, cada propriedade precisa levar em consideração suas características e a de seus frequentadores para agir a partir desse ponto.

A fronteira mais evidente nessa análise separa clientes e estabelecimentos de lazer de hóspedes e empreendimentos corporativos. Outras menos antagônicas levam em consideração o sexo da pessoa atendida, se ela está numa viagem solo e mais alguns aspectos comportamentais. Nesse nível vale ressaltar o crescimento do número de executivas que, viajando sozinhas, são mais criteriosas no assunto segurança.

Ainda nessa lacuna, que separa o tipo de serviço prestado conforme o contexto que envolve cada hotel, há mais uma observação que deve ser levada em conta. O tipo de meio de hospedagem. Vice-presidente de uma companhia especialzada em segurança patrimonial, a Gocil – que tem seu know how ligado ao segmento de hospitalidade -, Welder Motta Peçanha aponta nessa direção. “Nos hotéis de luxo e de classe superior é real a busca por produtos de segurança e, portanto, existe atenção maior na proteção dos hóspedes. Porém, em estabelecimentos de menor classificação, não existe espaço nos orçamentos para esse tipo de investimento, o que faz com que esse serviço seja, de certa forma, negligenciado”.

O executivo segue contestando o fato de haver maiores e menores preocupados com a questão. “Independente do local a ser protegido, a percepção da segurança proporciona tranquilidade para os frequentadores. Um hóspede não voltará a um hotel onde ele não se sentiu tranquilo e protegido. Essa percepção transmite também, para eventuais marginais, que o local é bem vigiado o que os faz procurar alvos considerados mais frágeis”, diz.

Quando fala sobre percepção, Peçanha resvala na nuance mais subjetiva do conceito de segurança, que diz respeito à sensação de amparo trazida por determinados ambientes e situações. Sob esse óculo é necessário entender que há uma compreensão completamente particular que ganha sentido a partir de parâmetros individuais. Articulando sobre como acredita ser possível alcançar essa sensação, o representante da Gocil prefere apostar na tática de deixar tudo bem visível. “Para criar uma atmosfera segura é necessário que as ações de segurança sejam visíveis (vigilantes, câmeras etc)”, considera. Mas faz ressalvas para não entrar em outro terreno espinhoso: “Porém é primordial ter o cuidado para não ser invasivo, proporcionando assim, em vez da sensação de segurança, a sensação de perda de privacidade”.

Para o Novo, em linhas gerais, sentir-se seguro depende da concretização de ações planejadas. “Depende de ações concretas e da participação de todos no processo de proteção e bem estar. Já não há mais espaço para o pensamento de segmentação da responsabilidade, ou seja, é cada vez mais clara a necessidade de que cada um dos funcionários, prestadores de serviços e até mesmo clientes, participem ativamente da estrutura de segurança dentro de cada responsabilidade e atribuição profissional”, opina o consultor salientando o trabalho em equipe.

Também especializado no tema, Inbal Blanc, da SegurHotel Segurança Inteligente, é dono de uma visão mais pragmática no debate sobre as sensações. “É muito importante diferenciar a sensação da realidade. É algo subjetivo e depende da pessoa e do momento da visita. Muitas vezes o hóspede diz que o hotel tem uma boa segurança e na prática não têm e vice-versa”. Ele admite que essa percepção é, de fato, relevante mas aconselha que para alcançá-la dois pontos devem ser considerados: divulgação de ações e investimentos em segurança e criação de uma cultura entre os funcionários para alinhar procedimentos.

Inadvertidamente, Blanc faz coro a um pensamento defendido por Novo que exalta a convergência entre profissionais e setores como flagrante do ato de desenvolvimento na área e, sobretudo, da evolução do empresariado que investem no ramo. Esse progresso, resultado do pensamento colaborativo, pode ser atribuído a uma onda de implantações de meios de hospedagens internacionais que trazem consigo normas que vigoram fora do País e criam tendência por aqui.

“A conscientização maior dos empresários quanto aos impactos de eventuais irresponsabilidades e a crescente oferta de hotéis de rede, muitas delas internacionais,  elevam o grau de aplicação de boas práticas e normas, desde as exigidas nacionalmente até, inclusive, algumas políticas internacionais aplicadas e exigidas pelo mercado mundial”, pondera o consultor.

“E esse nível mais elevado, acaba influenciando as empresas locais já que o mercado passa a buscar padrões equivalentes. Por outro lado, a evolução percebida ainda está distante do considerado ideal. Ainda existem os casos de descumprimentos de normas e legislações vigentes, e a capacidade limitada de fiscalização dos órgãos públicos. Além disso, mesmo quando empresas cumprem o estabelecido, é comum vermos que não são realizados procedimentos complementares para que sua estrutura física seja bem adaptada à capacitação das equipes, às características de público e localidade, e, por fim, ao estudo dos riscos mais importantes e suas providências de gestão”, completa.

As formalidades que a legislação confere ou devia conferir aos hotéis também merece espaço na crítica. Segundo Inbal Blanc, no Brasil são ausentes as leis relacionadas à segurança pessoal e patrimonial, o que coloca em termos obrigatórios medidas indispensáveis. “Como o mercado hoteleiro é muito competitivo, o investimento em segurança é visto com custo, que é cortado pelos investidores. O investimento realmente necessário é realizado normalmente após uma ocorrência que cria uma crise ou uma perda significativa de recursos”, conta com a experiência de quem já viu o relatado acontecer. “Na verdade podemos avaliar essa questão com faca de dois gumes, pois não há legislação a respeito, mas por outro lado o código do consumidor obrigado os hotéis a fornecer segurança aos hóspedes e visitas. Portanto os hotéis normalmente são obrigados a indeniza-los em caso de ocorrências”.

Terceirização como saída?

Orbitando num cenário adverso, no qual se vê desorientado com as escassas diretrizes legislativas, num país com índice considerável de violência e dependendo do engajamento total de sua equipe operacional, a segurança na hotelaria pode encontrar na terceirização uma solução; ou não.

Welder Peçanha, da Gocil, acredita que essa é a saída mais interessante e começa com o argumento do foco exclusivo. “A terceirização é o caminho, pois deixa-se de se preocupar com a gestão da segurança e permite que os gestores de hotelaria foquem apenas no atendimento do hóspede. Assim o hotel passa apenas a cobrar a eficiência do terceirizado que tem nisso o seu core business”. Não satisfeito, o gestor afirma que a falta de preparo e treinamento também são entraves e aí está mais uma razão para a contratação de um serviço terceirizado, que possui expertise.

No sentido contrário, Inbal Blanc, da SegurHotel, acredita que a solução pode estar na capacitação do próprio corpo de funcionários. “A maior parte dos empreendimentos reclama por acharem os serviços terceirizados insuficientes”, inicia. “Na verdade deveriam investir nas ferramentas que eles já têm, que são os próprios funcionários, os procedimentos corretos e a tecnologia”, segue.

Para fazer a segurança um fato, o profissional sugere a montagem de uma estratégia fruto de uma rotina de segurança e conscientização sobre essa questão, algo que normalmente não existe, aliado a robustas baterias de treinamento e capacitação. “A hotelaria é carente de treinamentos nessa área e sem o treinamento, não podemos exigir dos funcionários que atuam sem o conhecimento”.

Para Blanc, tanto o serviço terceirizado como o próprio tem suas dores e delícias. Na segurança própria o ponto positivo vem do alto comprometimento da equipe, que tem interesse na melhora do empreendimento, e o negativo está na necessidade de uma nova faceta de gestão. Na terceirização o nível de comprometimento cai mas a gestão da equipe é feita pela empresa contratada.

Novo, por sua vez, prefere resumir o caminho das pedra para a estruturação de uma equipe cujo objetivo é a segurança. “Uma equipe de seguranças terá sua eficiência condicionada ao nível de sinergia, procedimentos e características do estabelecimento. A localidade, a criminalidade local, o fluxo de pessoas, o tipo de público, as capacitações necessárias etc são pontos que devem ser considerados nessas análises e na decisão pela implantação de cada estrutura”.

 

Para fazer a segurança um fato, o profissional sugere a montagem de uma estratégia fruto de uma rotina de segurança e conscientização sobre essa questão, algo que normalmente não existe, aliado a robustas baterias de treinamento e capacitação. “A hotelaria é carente de treinamentos nessa área e sem o treinamento, não podemos exigir dos funcionários que atuam sem o conhecimento”.

Para Blanc, tanto o serviço terceirizado como o próprio tem suas dores e delícias. Na segurança própria o ponto positivo vem do alto comprometimento da equipe, que tem interesse na melhora do empreendimento, e o negativo está na necessidade de uma nova faceta de gestão. Na terceirização o nível de comprometimento cai mas a gestão da equipe é feita pela empresa contratada.

Novo, por sua vez, prefere resumir o caminho das pedra para a estruturação de uma equipe cujo objetivo é a segurança. “Uma equipe de seguranças terá sua eficiência condicionada ao nível de sinergia, procedimentos e características do estabelecimento. A localidade, a criminalidade local, o fluxo de pessoas, o tipo de público, as capacitações necessárias etc são pontos que devem ser considerados nessas análises e na decisão pela implantação de cada estrutura”.

http://www.hoteliernews.com.br/noticias/seguranca-como-questao-fundamental-na-atividade-e-no-cotidiano-da-hotelaria-73068

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